Nem sempre as coisas são o que parecem




Dudu caminhava calmamente pela calçada num dia ensolarado e alegre de verão. Uma revoada de andorinhas bailavam no céu ao sabor do vento. Sabiás e bem-te-vis, gorjeavam freneticamente, tinham que se mostrar para suas fêmeas ou ficariam sem elas. Ao longe via-se um gavião tentando uma incursão, sem sucesso, no bando de andorinhas e sendo expulso por elas com bicadas em sua cabeça . Dudu, como gostava de ser chamado, não gostava de seu nome, Educélido Baptista da Silva, Edu por parte de pai o senhor Eduarderson e Célido por parte de mãe, Dona Jeucélida. Caminhava, carregando, embaixo do braço, presa sob sua axila, uma pasta parda de papel cartão, já marcada e se desfazendo pelo suor. Carregava nela, papeis e documentos da empresa onde trabalhava. Muito conhecido na região, pelo seu carisma e pelo auto-astral, sempre sorridente, cumprimentava todos por onde passava. Seu Elcio “Presley”, dono da revistaria, de um vasto topete e uma enorme costeleta, a la Elvis. Seu Júlio da lanchonete, vulgo Perninha. Perninha, porque tinha uma perna menor que a outra, mas só dava para perceber quando ele andava pela rua. No bar, de tanto fazerem piada com seu defeito físico, colocou no chão, na metade do corredor formado pelo balcão e a parede, um estrado de madeira com a diferença de altura entre uma perna e outra, assim, lá, andava normalmente. Uma moradora de rua, enorme de gorda, que ficava deitada na calçada com os seus enormes seios, esparramados por sobre sua barriga, carinhosamente apelidada por ele de Dona Teta. Ela nem se levantava para urinar. Viu várias vezes ela fazendo o xixi, ali mesmo, sem cerimônia alguma, num potinho de maionese, para depois jogá-lo por cima da floreira, onde ficava encostada. E sem falar na Débora. Débora A GAROTA DO BUMBUM GULOSO. Era como ele gostaria de chamá-la. Vendedora de sapatos, como era gostosa. Morena, de olhos claros, dona de um traseiro suculento e fenomenal. Bumbum guloso porque a tanguinha que ela usava desaparecia naquela imensa e protuberante saliência lombar. Parecia que havia sido devorada por ele, o bumbum. Todo dia entrava na loja para experimentar sapatos, só para vê-la rebolando. Envolto em seus pensamentos, flutuando em suas memórias, não prestou atenção que estava bem na beirada da calçada. Pisou em um pedaço de papel celofane, jogado por algum transeunte mal educado, escorregou, tentou agarrar-se em alguma coisa, mas não havia nada em que agarrar. Fez um esforço danado para virar o corpo e cair para o lado da calçada. Deparou-se com um ônibus, iria pegá-lo em cheio, se não fosse a Dona Teta segurá-lo pelo braço. Com um sorriso pútrido e desdentado, ofereceu-lhe um marmitex com resto de comida cheirando azedo, ele agradeceu, mas recusou a oferenda.
— Obrigado Dona Tet... quero dizer Dona... Como é mesmo o nome da senhora...
A mulher apenas virou-se, deixando uma seqüência de flatulências ao vento, que produziu um som fantasmagórico. Deitou-se novamente perto da floreira e refestelou-se com o marmitex azedo.
A pasta parda estava esparramada no meio fio e Dudu virou-se para pegá-la, não viu um garoto de bicicleta. Escutou o tilintar da campainha, só teve tempo de pular para o meio da rua, levantou sua cabeça e viu Débora se acocorando para mostrar um sapato para alguém na loja. Que traseiro lindo, pensou ele. E tudo escureceu.
Dudu ouvia um falatório abafado, sentia um peso enorme do pescoço para baixo, não sentia dor, só a pressão. Abriu seus olhos, alguém tentava empurrar-lhe um tubo goela abaixo. Viu seu Elcio Presley com as duas mãos no topete, viu seu Júlio chegar manquitolando, esbaforido, viu Dona Teta, com a boca desdentada e toda engordurada, sorrir. Viu Débora saindo do meio da multidão que se aglomerava em sua volta e ficou puto da vida quando um cara a abraçou para apará-la. Que bunda gostosa, pensou ele novamente, e tudo voltou a ficar escuro.
Dudu havia sido atingido por um jet-ski, que era rebocado sobre uma carreta atrelada a um automóvel. Provavelmente, um solavanco causado pelo impacto do carro e da carreta no enorme buraco, aberto pela chuva da noite anterior, fez com que o jet-ski se soltasse, indo de encontro ao alegre, fugaz e viril, Dudu, que não fora tão fugaz naquele momento.
Cinco dias depois do acidente, acordou na cama de um hospital. Abriu os olhos que ainda estavam turvos. Tentou falar, mas não conseguia o tubo enfiado na sua garganta atrapalhava. Ficou assustado, logo uma enfermeira veio, retirou o tubo e chamou o médico.
Quando o médico chegou, ele já enxergava melhor, mas não conseguia falar. Não mexia nem os braços e nem as pernas. Foi um choque, ouvir o que havia acontecido com ele. O acidente o deixou tetraplégico e sem fala. Passaram-se os dias, foi para casa. Sua revolta transformou-se em vontade de viver. Aprendeu a digitar, no teclado do computador, com a ponta do nariz. Tinha uma certa dificuldade, pois seu nariz era um pouco largo, então, fez um pedido, uma plástica para afinar seu nariz e assim, digitar mais rápido e melhor. Um mês depois estava ele com seu nariz novo em folha e pronto para digitar. Fantástico Dudu digitava incrivelmente bem, com seu nariz, até que um dia seu órgão cheirador ficou preso entre uma tecla e outra, não havia ninguém em sua casa, ficou lá por horas seguidas. Tentava a todo custo, desprendê-lo do teclado. Tentava empurrar com a ponta da língua, sem sucesso. Quando sua irmã chegou em casa e o encontrou, desprendeu sua protuberância nasal, mas era tarde. Com o nariz preso por muito tempo, à circulação sanguínea cessou, necrosando seu aparelho olfativo e digitador. Sua amputação foi inevitável.
Dudu entrou novamente em depressão, mas ele era forte e persistente. Com muita dificuldade conseguiu digitar segurando um palito com sua boca. Passaram-se alguns dias, teve outra ideia. Antes do seu acidente conheceu, um tatuador que tinha a língua dividida ao meio e que conseguia fazer movimentos incríveis com ela. Decidiu então que iria dividir sua língua, assim poderia digitar melhor. E foi o que fez. Digitava tão bem e rápido que foi convidado a participar de um concurso de SMS pelo celular, Ganhou um incrível segundo lugar.Com o dinheiro do premio, mandou fazer uma prótese para o nariz, que acabou ficando melhor que o original. Agora ele era conhecido como “Dudu o língua de lagarto”. Conseguiu o e-mail da Débora, aquela do bumbum guloso e a convidou para ir até sua casa. No dia marcado a campainha soou. Ouviu sua mãe falando com alguém, era ela, Débora. Sua mãe orientou a moça a ficar a vontade, pois teria que sair e demoraria a voltar, estariam a sós.
Débora apareceu na porta do quarto e viu Dudu deitado em sua cama. Vestida com um top e uma calça branca, fez Dudu ver estrelas. Aproximou-se da cama e deu um beijo na ponta de seu nariz, que infelizmente era uma prótese e ele nada sentiu. Entristecida pela situação que Dudu se encontrava, passou a fazer carinhos em sua cabeça. Ele mostrou a ela sua língua bifurcada e os movimentos que era capaz de fazer com ela. Com sua face ruborizada, escreveu na tela do computador, que queria vê-la rebolar. Débora atendeu prontamente. Dudu sentiu uma excitação, um calor. Claro que do pescoço para cima. A garota se despiu, subiu na cama e aproximou seu grande e protuberante bumbum, de seu rosto. Dudu desferiu mordiscadas, nas belas, durinhas e rechonchudas nádegas de Débora. E com sua língua bifurcada acariciou e penetrou sua genitália. Débora foi ao delírio.  Ficaram lá por horas. A garota vestiu-se e se despediu, dando outro beijo na ponta da prótese nasal. Débora saiu e fechou a porta. Encontrou a mãe de Dudu, que lhe deu um envelope com quinhentos reais. A moça agradeceu e ofereceu seus préstimos a qualquer hora, do dia ou da noite. Dudu? Bem. Dudu ficou realizado. No dia seguinte acordou com uma boqueira infernal e uma afta na língua, que acabou virando uma ferida enorme e incurável. A amputação foi à única solução. Sem nariz e sem língua, Dudu voltou a digitar com um palito e a sonhar com Débora, a garota do bumbum guloso.

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